Luiza dormia, ou pelo menos tentava. Seu estômago revirava como que frequentado por borboletas inquietas. Parecia estar apaixonada. Antes fosse. Respirou fundo e aquele simples ato — o qual ela executava tão facilmente em tempos saudáveis — pareceu doer-lhe como nunca. Concentrou-se na ideia anterior e imaginou que aquilo latente dentro dela fosse só paixão. Mas isso não lhe soou convincente, tampouco real, aliás, nada mais lhe parecia real, apenas a quimioterapia e a sensação dos remédios vivos dentro do seu estômago. Sorriu com tristeza. Não um sorriso propriamente dito, mas uma tentativa assustadoramente inútil.
Quando fora a última vez em que estivera apaixonada? E já estivera? Ah, sim, claro. Sempre quando se olhava no espelho sentia aquelas conhecidas borboletas fazendo o seu estômago pulsar de excitação. A verdade é que sempre fora apaixonada, apaixonada por si mesma. A perfeita figura do egocentrismo, do narcisismo. Ironicamente, agora mal conseguia olhar-se num espelho. Pediu para que a enfermeira pusesse um fim em todos os que haviam no quarto e também no pequeno banheiro. Não suportaria se deparar com o seu novo eu: a pele, antes sedosa, agora ressecada, áspera; o antigo corpo esguio, digno de elogios, agora enterrado em dezenas de quilos a mais; o cabelo ondulado que antes caía-lhe macio até o meio das costas agora pendiam até os ombros, num corte ridículo, irregular, e, como se não bastasse, crateras nuas jaziam sobre o seu couro cabeludo, de onde desprenderam-se punhados de fios. Estivera adiando a retirada completa do cabelo usando a desculpa inútil de que estaria tentando se acostumar com a ideia. Nunca iria.
A vida que estava na sua barriga finalmente aquietou-se, e, junto com ela, Luiza adormeceu nostálgica.
Quando fora a última vez em que estivera apaixonada? E já estivera? Ah, sim, claro. Sempre quando se olhava no espelho sentia aquelas conhecidas borboletas fazendo o seu estômago pulsar de excitação. A verdade é que sempre fora apaixonada, apaixonada por si mesma. A perfeita figura do egocentrismo, do narcisismo. Ironicamente, agora mal conseguia olhar-se num espelho. Pediu para que a enfermeira pusesse um fim em todos os que haviam no quarto e também no pequeno banheiro. Não suportaria se deparar com o seu novo eu: a pele, antes sedosa, agora ressecada, áspera; o antigo corpo esguio, digno de elogios, agora enterrado em dezenas de quilos a mais; o cabelo ondulado que antes caía-lhe macio até o meio das costas agora pendiam até os ombros, num corte ridículo, irregular, e, como se não bastasse, crateras nuas jaziam sobre o seu couro cabeludo, de onde desprenderam-se punhados de fios. Estivera adiando a retirada completa do cabelo usando a desculpa inútil de que estaria tentando se acostumar com a ideia. Nunca iria.
A vida que estava na sua barriga finalmente aquietou-se, e, junto com ela, Luiza adormeceu nostálgica.
Despertou lentamente com uma mão sobre o seu ombro esquerdo. Havia um homem sentado à beira da maca. Parecia-se com George. George que lhe amou como nenhum outro homem havia amado. George, cujos parâmetros não satisfaziam as suas condições. George, a quem os sentimentos ela ignorou como algo completamente insignificante. Como poderia George, tão machucado, tão corrompido pelo Luizocentrismo, ainda ser capaz de prestar-lhe condolências? Poderia ela estar tendo alucinações? Luiza piscou, confusa. Os olhos embriagados, ora por causa da torrente de remédios, ora pelo cansaço que havia se tornado constante. Era o primeiro homem — que não fosse o doutor — a lhe visitar desde que havia sido acometida pelo câncer. Ela sentiu vergonha; aquele era o último estado no qual gostaria que um homem a visse. Mas isso — quem diria — era o de menos. Sentiu vergonha por todo o sofrimento que causara a George. Para quê tudo aquilo? No que antes parecia haver sentido, agora não havia nenhum. Sem propósito. Completamente em vão. Ridículo. Ela queria desesperadamente pedir desculpas a ele, mas, por mais que as palavras desejassem sair, eram sufocadas no meio do caminho pelo orgulho de praxe. E então os seus olhos gritaram aquilo que na garganta estava bloqueado. George pareceu ouvi-los e, complacente, afagou-lhe o ombro no qual mantivera a mão desde que chegou.
— Olhe só para você... — ele a fitava ternamente e havia carinho na sua voz. — Por que se deixou passar por isso sozinha? Por que não deixou que as pessoas que a amavam se aproximassem de você?
Luiza engoliu à seco. Os olhos pestanejaram. "Eu não sei", diziam eles. "Me desculpe, me desculpe, me desculpe." A umidade neles já se fazia presente. Não demoraria muito até que começasse a escorrer.
— Tudo bem, tudo bem... — novamente a mão afagou-lhe o ombro. — Eu estou aqui, e me mandaram levá-la para um passeio, esticar as pernas... Há tempo você não levanta e precisa caminhar às vezes... — George levantou-se e estendeu-lhe a mão, convidativo.
Ela estremeceu. Andar era a segunda coisa a qual mais temia no momento. A primeira era ficar sozinha novamente naquele quarto fechado e sombrio, então terminou por ceder. Além do mais, queria perguntá-lo o porquê de estar fazendo aquilo, o porquê de estar se importando. Ela o havia feito mal, não podia ser tão bom assim, não com ela.
Surpreendentemente sem muitos esforços, Luiza levantou-se. Foram caminhando até a porta do quarto — ela sempre amparada pela mão de George — e, daí em diante ele a guiou até onde deveriam ir.
Há três meses atrás, ao sair desnorteado do apartamento de Luiza devido às humilhações que ela teria cuspido sobre a face dele, George morrera atropelado.
Agora, na maca do quarto 224, jazia calmamente e sem vida o corpo de uma mulher cuja alma azeda fora adocicada no último momento por outra completamente bondosa.
— Olhe só para você... — ele a fitava ternamente e havia carinho na sua voz. — Por que se deixou passar por isso sozinha? Por que não deixou que as pessoas que a amavam se aproximassem de você?
Luiza engoliu à seco. Os olhos pestanejaram. "Eu não sei", diziam eles. "Me desculpe, me desculpe, me desculpe." A umidade neles já se fazia presente. Não demoraria muito até que começasse a escorrer.
— Tudo bem, tudo bem... — novamente a mão afagou-lhe o ombro. — Eu estou aqui, e me mandaram levá-la para um passeio, esticar as pernas... Há tempo você não levanta e precisa caminhar às vezes... — George levantou-se e estendeu-lhe a mão, convidativo.
Ela estremeceu. Andar era a segunda coisa a qual mais temia no momento. A primeira era ficar sozinha novamente naquele quarto fechado e sombrio, então terminou por ceder. Além do mais, queria perguntá-lo o porquê de estar fazendo aquilo, o porquê de estar se importando. Ela o havia feito mal, não podia ser tão bom assim, não com ela.
Surpreendentemente sem muitos esforços, Luiza levantou-se. Foram caminhando até a porta do quarto — ela sempre amparada pela mão de George — e, daí em diante ele a guiou até onde deveriam ir.
Há três meses atrás, ao sair desnorteado do apartamento de Luiza devido às humilhações que ela teria cuspido sobre a face dele, George morrera atropelado.
Agora, na maca do quarto 224, jazia calmamente e sem vida o corpo de uma mulher cuja alma azeda fora adocicada no último momento por outra completamente bondosa.